A exigência de CND na homologação do plano de recuperação judicial e seus reflexos práticos

Raquel de Amorim Ulrich
ADVOGADA NA GUERRERO PITREZ ADVOGADOS

A reforma da Lei nº 11.101/2005 trouxe relevantes alterações ao instituto da recuperação judicial, dentre as quais se destaca a previsão da obrigatoriedade da apresentação de certidões negativas de débitos tributários (CND) como condição para a homologação do plano aprovado em assembleia.

O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar a nova redação legal, consolidou o entendimento de que a exigência é compatível com a sistemática da recuperação, vinculando a concessão da recuperação judicial à regularidade fiscal da recuperanda.

Embora a medida tenha sido concebida sob o argumento de fomentar a adimplência tributária e o equilíbrio entre credores privados e o Fisco, seus reflexos práticos têm sido objeto de intensos debates.

Reflexos para credores e recuperandas

As Varas especializadas, com fundamento no artigo 57 da Lei nº 11.101/2005 e em consonância com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, têm determinado a suspensão dos efeitos da recuperação judicial quanto à empresa recuperanda que não comprova a regularidade fiscal mediante apresentação da Certidão Negativa de Débitos (CND), ainda que o plano de soerguimento tenha sido regularmente aprovado pela ampla maioria dos credores reunidos em assembleia-geral.

Essa interpretação gera consequências significativas:

  • Inviabiliza o recebimento dos créditos pelos credores sujeitos à recuperação, que, após longo trâmite processual, veem-se obrigados a buscar a satisfação de seus créditos por meio de ações próprias;
  • Onera ainda mais o credor, que não apenas suporta o transcurso do processo de recuperação judicial, mas também arca com os custos decorrentes do ajuizamento de novas demandas individuais, além de enfrentar o tempo adicional necessário para a efetiva satisfação de seus créditos.
  • Cria um cenário de incerteza, pois, a qualquer momento, a empresa recuperanda pode apresentar as certidões fiscais, tornando sem objeto as ações individuais ajuizadas pelos credores.

 

O impasse da recuperanda frente ao Fisco

Sob a ótica da empresa em crise, a exigência legal de regularidade fiscal impõe outro desafio: o plano aprovado pelos credores não pode ser iniciado enquanto não houver a negociação prévia com o Fisco.

Embora existam, em tese, mecanismos de parcelamento e transação tributária voltados às empresas em recuperação judicial, na prática, grande parte das recuperandas, em processo de reestruturação econômico-financeira, não dispõe de fluxo de caixa suficiente para aderir a essas modalidades. As condições oferecidas, em sua maioria, mostram-se incompatíveis com a capacidade de pagamento das empresas em crise, o que acaba por inviabilizar o cumprimento da exigência contida no artigo 57 da Lei nº 11.101/2005. O resultado é a paralisação da recuperação judicial e o retardamento da execução do plano, comprometendo a retomada da atividade empresarial e a própria geração de recursos necessários ao adimplemento das obrigações, inclusive suas obrigações fiscais.

Todos perdem!

A consequência desse impasse é clara: perdem os credores, perde a recuperanda e perde o próprio Fisco.

  • Os credores veem frustrada a expectativa de recebimento de seus créditos.
  • A empresa tem tolhida a chance de efetivar o soerguimento aprovado pela maioria dos credores.
  • O Fisco deixa de arrecadar, pois a inviabilidade da recuperação prejudica diretamente a geração de caixa e, consequentemente, o pagamento dos tributos.

Considerações finais

A exigência de CND para a homologação do plano, embora juridicamente respaldada pela reforma da lei e pela jurisprudência do STJ, tem gerado efeitos colaterais que contrariam a própria finalidade da recuperação judicial, qual seja, preservar a empresa viável, manter empregos e estimular a economia.

O desafio que se impõe, portanto, é buscar mecanismos legislativos e negociais que tornem efetiva a regularização fiscal sem inviabilizar o cumprimento do plano aprovado pelos credores. Até lá, o cenário de insegurança jurídica persiste, com prejuízos difusos e a frustração dos objetivos maiores da recuperação judicial.